SOS PAPAI e MAMÃE
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outubro de 2005

A REALIDADE, A LEGALIDADE, A HUMILDADE, A CORAGEM E A CRIATIVIDADE

  • Advogado militante em São Paulo e pai consciente. ©SOS-PAPAI/2005 -Texto produzido em 06 de abril de 2.005. Todos os direitos reservados ao autor, sendo vedada a reprodução no todo ou em parte sem a prévia autorização e a citação de fonte e autoria do texto.

Uma abordagem sobre a necessidade de renovação no trato dos conflitos de direito de família no brasil

Envolvidos com questões de Direito de Família, ou mesmo simpatizantes à condição de pais e mães que sofrem problemas de Direito de Família, muitas vezes nos vemos diante de sérias dúvidas e questionamentos.
Até onde podemos entender que todos os conflitos de família são reais?
Até onde podemos entender que o sistema de "controle" de que dispõe a Sociedade Organizada, em nosso Estado Democrático é capaz de resolver estes conflitos de família ?
Até onde temos somente pais/mães que abandonam seus filhos ?
Na verdade, se fizermos um apanhado claro e preciso, o que se configura situação de alta complexidade e para à qual os pensadores têm dedicado pouco ou nenhum interesse concreto, teremos que estas simples questões acima colocadas serão ampliadas ao infinito, posto que o núcleo família compreende emoções, sentimentos e situações afetivo-psicológicas que podem ir ao infinito.
Duas realidades são latentes, e nos são propriamente caras:
  • Nosso sistema de solução de conflitos de família, por força da forma como a Legislação que o rege foi erigida, não nos leva a soluções claras e satisfatórias em muitos conflitos de família.
  • Além da legião de crianças carentes que temos consciência existirem no Brasil, temos uma legião de crianças NEGLIGENCIADAS quanto a seus direitos básicos de convívio e formação de ambos os pais.
Evidentemente, as crianças carentes são um tema caro e de conhecimento público, e nossos semáforos e ruas prova isto; porém, mesmo assim são objeto de inúmeros "consensos" de nossa sociedade; a estas situações, muitas vezes a interferência de nosso Poder Judiciário/ Poder Público é eficaz.
Se não são de todo amparadas corretamente, são ao menos RECONHECIDAS E SÃO OBJETO DE PREOCUPAÇÃO de nossa sociedade.

Mas e quanto às crianças NEGLIGENCIADAS ?

Seguramente, teremos antítese afirmativa de que estas são igualmente amparadas pelo Poder Judiciário/ Poder Público, e que portanto não há campo para maiores discussões, vez que se estão sendo objeto de discussão frente a estes Poderes, e se temos juízes, advogados, psicólogos, promotores, mediadores e assistentes sociais envolvidos, não podemos classificar estas crianças como carentes.
Ou seja, se há pai e mãe que lhes provém o sustento básico, suas carências afetivas e educativas, de formação e de caráter, estão amplamente resolvidas pela criação que um de seus pais devotará a esta criança.
A premissa é coerente, mas a evolução de nossa sociedade e a recente "onda" renovadora de que somos tomados e que nos mostra a fragilidade e ineficácia de nossos Poder Judiciário/Poder Público frente a estas crianças nos faz reconhecer que a conclusão que da premissa se extrai é falsa.

O fato é que o ser humano está moral,
psicológica e eticamente doente.

A realidade é que, no momento em que posturas são invertidas, pessoas mudam radicalmente de conduta, modificando seu papel/persona social, verificamos que é chegada a hora de aceitarmos que além das crianças carentes, as crianças NEGLIGENCIADAS são um problema tão ou mais grave.
Ou seja, quando vemos movimentos e indicadores sociais de que homens e mulheres, em uma sociedade ainda culturalmente em desenvolvimento, socialmente em desenvolvimento, mudam seus papéis (a mulher buscando e obtendo igualdade legal e social, ainda que precariamente, e o homem buscando resgatar de forma inédita seu envolvimento com a família e com seus filhos), verificamos a hora de uma mudança.
Nesta linha de raciocínio, poderemos elencar alguns capítulos de nosso cotidiano, que demonstram estarmos diante de um verdadeiro divisor histórico-social de nosso tempo.
São estes :
  1. A valorização e a elevação social da condição da mulher específicamente na família, prevista constitucionalmente e corroborada pela legislação civil, que trata de Direito de Família (vide: artigo 226, §5º da Constituição Federal de 1.988, e o artigo 1.566, caput e inciso IV, do Código Civil, modificado pela Lei nº.10.406 de 2.002) .
  2. A concepção, reconhecimento e discussão dos aspectos do Poder Familiar e seus exercícios, por meio das chamadas Guarda (estabelecida em Lei, conforme os artigos 1.566, 1.583 e 1.634, do Código Civil, modificado pela Lei nº.10.406 de 2.002), Guarda Compartilhada (a ser estabelecida em Lei, conforme o Projeto de Lei nº.6.350 de 2.002), e os reflexos sócio-culturais e jurídicos que vem sendo verificados nesse sentido.
  3. A verificação o reconhecimento e discussão da adoção de meios NÃO judiciais de solução dos conflitos de Direito de Família, por meio do usamos chamar de MEDIAÇÃO INTERDISCIPLINAR (a ser estabelecida em Lei, conforme o Projeto de Lei nº.4.827-b de 1998), que inclusive é adotada já por Tribunais de Justiça de alguns Estados da Federação (citamos exemplos: em São Paulo, por meio do Provimento do Conselho Superior de Magistratura nº 893, de 09 de novembro de 2.004, por iniciativa do Tribunal de Justiça; no Rio Grande do Sul, por meio do Projeto Conciliação Família e do Projeto Mediação Família, ambos existentes desde de 1.994, e de iniciativa Tribunal de Justiça; no Distrito Federal e Territórios, o Projeto "Programa de Estímulo à Mediação", de iniciativa do Tribunal de Justiça, por meio da Resolução nº 02 de 22 de março de 2.002; na Bahia, o Projeto Núcleo de Conciliação Prévia, instalado desde 2.002, e de iniciativa Tribunal de Justiça).
  4. A ocorrência de movimentos civis organizados, constituídos por pais homens, verificada nos últimos cinco anos, pelo menos, para defesa e discussão dos direitos de convívio de pais separados e seus filhos.
Com estas constatações reais, verificamos que nossa realidade é hoje, pelo menos, vista pela sociedade, enfrenta o crivo da normatização por meio de novas leis, é embuida pela coragem da sociedade a abrir-se numa discussão sobre os temas da família, e é tratada com a criatividade peculiar de nosso povo.
O problema, em verdade, é que todas estas medidas não são suficientes, sequer amplas, para atacar um ingrediente intrínseco : os conflitos de Direito de Família, invariavelmente, carregam em si forte influência emocional e psicológica.
Com esta constatação, e mesmo com toda a experiência, técnica, e sabedoria que notoriamente encontramos no Poder Judiciário, este não se encontra aparelhado institucional, cultural, técnica e organizacionalmente para lidar com os conflitos de família como eles necessitam ser tratados.
E aqui, verifico que a crítica não é graciosa ou destrutiva, mas constata apenas uma realidade.
Muitos julgadores conseguem, por meio de sua experiência, bom senso, dedicação e empenho, atingir ponto mediano nos litígios e assim conseguir das partes litigantes um acordo possível; entretanto, este acordo pode resolver o problema processual, pode resolver o problema atual, mas pode não detectar e auxiliar a "cura" de problemas psico-emocionais e afetivos que acabarão por recrudescer-se no futuro relacionamento deste pai e desta mãe acerca da criança.
Como citado acima, o próprio Poder Judiciário, verifica esta incapacidade, e até, em verdade, esta desnaturação de sua função nuclear; se é fato que delegamos ao Poder Judiciário dirimir conflitos e interpretar nossas leis, é igualmente fato que não podemos nem devemos delegar a ele a "cura" de nossas mazelas e problemas psico-emocionais e afetivos.
Então, se a normatização não pode ser tida como a solução, se o Poder Judiciário, mesmo favorável à conciliação e à mediação não está equipado a interceder de forma positiva na solução não só do litígio, mas da "raiz" de fundo emocional, psicológico e afetivo deste litígio, verificamo-nos diante de um dilema ?
Na verdade sim, pois os fatos são estes e não podemos negá-los. E na verdade não, porque embora os fatos existam podemos modificá-los, e inclusive contribuir para que eles sejam o estopim de uma modificação social completa, complexa e necessária.
Se o julgador não pode lidar especificamente com o quociente emocional, psicológico e afetivo de forma a curá-lo, só lhe resta o sistema legal da compensação dos danos (e neste sentido, válido citar decisões em alguns Estados brasileiros que denotam indenizações por danos morais em processos movidos por filhos contra pais "ausentes" ou por "abandono moral e afetivo"), ou a providência da modificação de situações de fato que se configuram, após estudos psicológicos e sociais, lesivas às crianças envolvidas em litígios judiciais entre seus pais.
Evidentemente, existem casos inúmeros que por sua evidência e clareza pedem necessitam de medidas fortes e violentas de afastamento da criança de um ou de ambos os genitores, e não podemos negá-las muito menos desqualificá-las; porém, mesmo nesses casos extremos, aonde possível a manutenção do contato pais/filhos, e a recuperação da entidade familiar, a Lei procura propiciá-la.
De outro lado, temos um "inimigo" obscuro, um "ente" desconhecido, que soturnamente atua nas mentes e nos espíritos de muitos pais, mães e que vitimizam crianças no Brasil, e em muitos locais de nosso planeta.
Por meio de inúmeros textos, exemplos, teorias, teses e estudos estrangeiros, começamos a discutir a existência e ocorrência de um mal psicológico a que se nomeou Síndrome da Alienação Parental.
É válida a dúvida e o questionamento, acerca do fato de que esta discussão, mais acadêmica que prática, não se harmoniza com o que falamos ao longo deste texto.
Mas embora válida, a dúvida não procede.
Segundo estudos, pesquisas e textos produzidos nos Estados Unidos da América, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, etc, este mal psicológico é palpável e existente e é "raiz" de inúmeros conflitos de família que deságuam em litígios judiciais, em todos os países apontados e com todas as mazelas sugeridas e conhecidas por todos.
O pai que é acometido por este tipo de problema psicológico, observe-se, é o que acusa falsamente o outro pai, o que o afasta do convívio com o filho, o que prepondera tornar o outro pai um estranho, um ente não associado e completamente dissociado da criança.
Este problema psicológico, ressalte-se, reflete igualmente condutas de abandono a que pais muitas vezes sujeitam seus filhos.
Ou seja, antes mesmo de ser considerada a hipótese de afastamento destas questões da esfera litigiosa, eis que o "doente" deve receber a opção de "cura" e não a imposição de penalidade, mister se faz que tenhamos aos poucos o RECONHECIMENTO e a CLASSIFICAÇÃO NORMATIVA DE ENFERMIDADE, por parte de nossos órgãos administrativos (Ministério da Saúde).
De outra sorte, imperioso se faz que pesquisadores e pensadores, cientistas e psicólogos brasileiros, capacitados que são, estudem, analisem e atestem com base em nossa realidade e em nossas condições sociais e econômicas o quanto estamos sujeitos à este problema e o quanto necessitamos pesquisá-lo e referendá-lo.
Esta necessidade dá-se por dois necessários motivos:
  1. Para que juízes, advogados, promotores de justiça e psicólogos forenses, reconheçam, identifiquem, previnam e atuem na erradicação deste tipo de mal psicológico.
  2. Para que, embasados em pesquisas nacionais, possamos aos poucos, por meio de providências governamentais e não governamentais, prevenir, detectar e auxiliar os que sofrem com este mal psicológico.
Com isso, verificar-se-á um recuo sensível das questões conflituosas em Direito de Família, propiciando-se ao mesmo tempo uma melhor formação e preparação de pais e mães no sentido da consciência e responsabilidade da paternidade.
Aliás, verifica-se que a preocupação com a mesma, ainda que por via indireta, já consta de nosso Ordenamento Jurídico, como se verifica do artigo 226, §7º da Constituição Federal de 1.988:
"(...)Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.(...)".
Muito embora trate o texto constitucional de controle de natalidade e planejamento familiar, é mister se atestar que compreende a paternidade como ato consciente e ungido de responsabilidade, o que deve ser doravante mais e mais defendido.
Em contrapartida, necessária e salutar será a remodelação e reorganização por parte dos operadores de direito, de molde a que seja resgatada a máxima da balança, ou seja, o bom senso, na atuação de advogados, magistrados e promotores de justiça.
Admite-se que não se pode DIZER TAXATIVAMENTE que a TOTALIDADE dos problemas e conflitos de DIREITO DE FAMÍLIA são ocasionados pela Síndrome de Alienação Parental; a conscientização, a maturidade e a responsabilização de pais e mães acerca da paternidade é outro ingrediente imprescindível a ser considerado.
Mesmo assim, no momento em que estes operadores estiverem mais e mais conscientes deste IMPRESCINDÍVEL E INALIENÁVEL EXERCÍCIO DE CIDADANIA, subjulgando ego, intelecto, interesses financeiros e institucionais em prol de uma única causa : OS NEGLIGENCIADOS.
Como dissertado até aqui, neste momento, muitas crianças são NEGLIGENCIADAS e vítimas de pessoas doentes e que incutem nelas, crianças, a mesma "semente" da doença, inflingindo dor, angústia e danos psicológicos de incontável monta.
Para isso, necessário reconhecer esta REALIDADE, e a necessidade de que a mesma seja trazida de volta à LEGALIDADE, com a HUMILDADE de aprender e de ouvir e sentir-se no papel do outro, a CORAGEM de defender a idéia de que é plausível, senão possível a existência e incidência deste mal psicológico entre nós, e a CRIATIVIDADE de bem lidar com ele e com as Instituições Nacionais para que o reconheçam e para que se construa, por meio de uma ABORDAGEM científica e séria SOBRE A NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO NO TRATO DOS CONFLITOS DE DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL, nos moldes propostos.
Considerando nossa vocação e nossas características, enquanto povo, é o legado que alcançaremos e deixaremos a nossos filhos.